A regulamentação da lei anticorrupção empresarial

Ministro Jorge Hage veio ao Ethos discutir decreto regulamentador da lei anticorrupção com escritórios de advocacia e a parte jurídica de empresas.

Atendendo pedido da Controladoria Geral da União, o Instituto Ethos organizou na sede da entidade, em São Paulo, no último dia 23 de setembro, uma reunião com escritórios de advocacia e a parte jurídica das empresas.

O objetivo do encontro era discutir a elaboração de proposta de decreto para regulamentação da Lei 12.846/2010, a lei anticorrupção empresarial, considerando que esse decreto pode melhorar a lei e sanar possíveis lacunas  que ela possua.

O ministro chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, esteve presente à reunião, junto com o secretário Sérgio Seabra e o diretor Hamilton Cruz e mais representantes de treze empresas e escritórios de advocacia: Veirano Advogados; Trench, Rossi, Watanabe Advogados; Tozzini Freire Advogados; Aidar SBZ Advogados; Ambev; Eads; Machado Meyer Advogados; Reuters; Nokia; Vale; e Embraer.

Durante a Conferência Ethos 2013, houve debate sobre o tema e as questões levantadas naquela ocasião foram também objeto da presente discussão.

Naquele debate, preocupava os participantes o fato de que a descentralização para aplicação das sanções previstas na lei anticorrupção poderia funcionar contra os objetivos da própria lei. Alguns presentes argumentaram com o ministro Hage, que estava nesse debate, que as empresas poderiam estar sujeitas a pressões e tentativas de chantagem para evitar a aplicação de sanções. 

Principais pontos da discussão

Na segunda-feira, durante a reunião com o ministro Jorge Hage, os participantes voltaram a tocar no assunto, encaminhando dúvidas sobre o âmbito de aplicação do decreto de regulamentação.

Ele se aplicará a estados, municípios e a outros poderes da República?

Sim. Ainda que cada estado e município possa fazer sua própria regulamentação, a CGU quer criar parâmetros para que o entendimento do decreto seja unificado em todos os âmbitos.

Outra dúvida é a respeito de como será o cálculo da multa. A lei fala de um percentual que varia de 0,1 a 20% sobre o faturamento bruto da empresa.

Mas, se for um caso de corrupção municipal, vale o faturamento nacional  ou municipal? E qual o percentual a ser aplicado?

O ministro respondeu que a CGU está estudando uma fórmula para calcular o valor das multas.  Essa fórmula deve atender a “essência” da aplicação da multa, expressa na lei, de que o valor não deve ser inferior ao benefício auferido pela corrupção. Vai englobar o faturamento bruto e conter parâmetros objetivos, que possam ser aplicados de forma universal. Terá parâmetros claros e detalhados, atendendo, assim, todas as instâncias e tranquilizando as partes a respeito da acuracidade dos cálculos.

A instauração e o julgamento do processo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica, via de regra, caberá à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Sistemas de compliance

A lei anticorrupção aprofundou a preocupação das empresas com o controle interno de suas atividades, pois agora é possível haver a responsabilização objetiva – independente de  culpa – da pessoa jurídica pela prática de atos contra a Administração Pública.

O endurecimento da legislação está estimulando o desenvolvimento e o aprimoramento dos sistemas de compliance, pois a lei prevê que as sanções serão atenuadas quando a pessoa jurídica tiver instituído “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”, conforme o texto da lei 12.486.

Com isso, nas empresas onde o sistema já está funcionando, o que era um  mecanismo de prevenção e gestão de risco,  imagem e reputação da empresa, passa a também incorporar  a gestão de riscos de sanções legais.

A questão aqui é definir quais são os atributos que um sistema de compliance deve ter o reconhecimento público e o benefício de atenuante. O decreto vai regular formas de reconhecimento prévio?

O critério que a CGU pretende utilizar no decreto para reconhecer o compliance é o Cadastro Pró-Ética.

O cadastro pro-ética tem o mérito de induzir os princípios éticos como motores de todas as ações realizadas pelas empresas com o setor público. Com isso, promove uma mudança de cultura no relacionamento entre o poder público e o setor privado, com a incorporação de um compromisso contra a corrupção por parte das empresas.

Com o tempo, o Cadastro Pró Ético pode, de fato, identificar os fatores essenciais para um bom programa de compliance brasileiro.

Acordos de leniência

O acordo de leniência previsto na lei anticorrupção prevê que a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar esse tipo de acordo com pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nessa lei que colaborem efetivamente com as investigações. E, além disso, que essa colaboração resulte em: identificação dos demais envolvidos na infração (quando souber); rapidez na obtenção de informações e documentos.

Digamos que uma empresa vai ser processada a respeito de um caso que ela própria já está investigando, mas ainda não havia procurado as autoridades. Ela ainda deve ser denunciada ou deve-se permitir a autodenúncia?

Para a CGU, o mais importante, no acordo de leniência, é a vontade de cooperar para a apuração do ato ilícito.

As discussões iniciadas no Ethos foram a respeito de como se dará a regulamentação a respeito dos acordos em todos os âmbitos da Federação e da Administração Pública.

Os acordos de leniência podem ser celebrados pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública. O que significa que o Ministério Público Estadual, o CADE, a CGA e outros órgãos públicos municipais podem celebrar acordos de leniência. A CGU celebra acordos no âmbito do Executivo Federal e no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

Quanto à reparação, a lei diz que o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica de reparar integralmente o dano causado. Todavia, o decreto precisa detalhar como se dará essa reparação.

Sobre as multas, a lei fala em redução em até 2/3 do valor para a pessoa jurídica que fizer o acordo de leniência. O acordo regulamentador precisa deixar claro que o valor dessa multa, mesmo reduzido por acordo de colaboração, não pode ficar inferior ao benefício auferido pelo ilícito.

Outro ponto sobre acordos de leniência a ser levado em conta no decreto é possuir regras para harmonizar acordos nacionais com as diretrizes de outros países, para que investigações transnacionais não sejam prejudicadas.

Alguns pontos ainda ficaram para debates posteriores.

Por exemplo: O que é vantagem auferida?  Passagens, hospedagem, refeições podem ser considerados vantagens auferidas?

Há dúvidas sobre quem são os agentes públicos nacionais. Médicos e administradores de hospitais privados credenciados ao SUS são considerados agentes públicos perante a lei?

Como fica a questão do compliance para as micro, pequenas e médias empresas, que não têm condições de estabelecer e controlar  sistemas complexos?

Por isso, outras conversas como essa realizada pelo Ethos serão necessárias para que o decreto seja bem pedagógico e permita que a lei anticorrupção funcione como um instrumento de ampliação da integridade e da melhoria das relações entre a Administração Pública e o setor privado em nosso país.

25/9/2013

por Instituto Ethos, também disponível em: http://www3.ethos.org.br/cedoc/a-regulamentacao-da-lei-anticorrupcao-empresarial/#.UksuR9LkuAo